O segredo para a boa saúde humana – que deve ser entendida de uma maneira integrada entre corpo e mente – se encontra em seres microscópicos que colonizam nosso organismo: as bactérias intestinais. Esta é a mensagem fundamental passada pelo livro “O lado bom das bactérias – O poder invisível que fortalece sua defesa natural para ter uma vida mais feliz e longeva”, escrito pelo farmacêutico, bioquímico e pós-doutor em microbiologia, Alessandro Silveira.
Destacam-se na obra três temas que demonstram a importância das bactérias para o equilíbrio intestinal e consequentemente para a saúde como um todo. São eles: o autismo (o motivo do livro); o transplante de fezes (procedimento simples, ainda incipiente, que pode ajudar no tratamento de diversas doenças); e a obesidade (epidemia que assola o Brasil e o mundo).
Autismo
Silveira relata como o diagnóstico de autismo de seu filho foi responsável por uma guinada em sua trajetória, impelindo-o a mudar drasticamente sua visão sobre sua vida e o objeto de seu estudo. “Eu venho de uma linha de antibiose, ou seja, de que é necessário matar as bactérias. Quando eu descobri um grande aumento de publicações em revistas renomadas demonstrando o papel das bactérias intestinais nas manifestações clínicas de crianças autistas, mudei meu foco: percebi que nas bactérias poderia estar a solução do nosso problema”, explica.
De acordo com o pós-doutor em microbiologia hoje é lícito afirmar que há padrões intestinais bem estabelecidos em autistas, sendo o desiquilíbrio da microbiota intestinal um achado rotineiro. Silveira afirma que há evidências científicas robustas demonstrando a possibilidade de melhorar a qualidade de vida do autista, diminuindo as manifestações clínicas, quando se consegue modificar a alimentação e corrigir a disbiose. “Alguns estudos demonstram que a intervenção externa, como no uso de probióticos auxilia na terapêutica de autistas. Até mesmo o transplante de fezes tem sido utilizado em alguns países”, afirma.
Nesse sentido, Silveira passou a cuidar da alimentação e da saúde intestinal de seu filho e obteve resultados satisfatórios. “Hoje, o Victor tem acompanhamento periódico com nutricionista e mapeia a sua microbiota intestinal anualmente”, diz. Conforme o pós doutor em microbiologia, foram adotadas estratégias alimentares simples, com algumas suplementações, que auxiliaram na melhora de sua qualidade de vida.
Transplante de fezes
Um dos tratamentos empregados em alguns países para a melhora da microbiota intestinal é o tratamento de fezes, no qual as fezes de uma pessoa saudável são doadas a alguém com uma microbiota doente. “A premissa do transplante de fezes é retirar todas aquelas bactérias prejudiciais e fazer uma nova colonização com a microbiota boa”, esclarece o pós-doutor em microbiologia.
De acordo com Silveira, as fezes, num procedimento como este, precisam vir de uma pessoa com perfil bacteriano específico. “Nestes casos, analisa-se desde o tipo de nascimento, até o tipo de vida que a pessoa leva, como também o que ingeriu, as doenças que teve, além de todos os exames de saúde. São necessários exames para detectar hepatites, HIV, Rotavírus, Giardia e outras parasitoses”, explica, enfatizando que o melhor doador em teoria normalmente é um familiar, pois são pessoas em que a história de vida é conhecida.
Para a realização do transplante de fezes é necessária uma indicação clínica, sendo que o procedimento só pode ser feito com supervisão médica direta. Um dos modos de realizar o transplante é por meio de uma colonoscopia, em que as fezes do doador (preparadas por um microbiologista), após serem colocadas em um mixer e diluídas no soro, são borrifadas no intestino grosso e de delgado durante 30 minutos.
O pós-doutor em microbiologia informa que o procedimento pode ser empregado, com resultados instantâneos, em pessoas com condições clínicas específicas, como as que utilizam antibióticos há bastante tempo e estão com infecção intestinal, ou em autistas e pessoas com depressão grave, assim como adjuvante no tratamento da obesidade. Porém, no Brasil este procedimento é autorizado apenas para tratamento de infecção intestinal por Clostridioides difficile, já em outros países é utilizado como coadjuvante no tratamento da depressão, TDAH, autismo, obesidade, doenças crônicas e outras.
Obesidade
A associação entre a obesidade e qualidade da microbiota intestinal é apresentada por Silveira em seu livro através da citação de experimentos conduzidos por Dr. Jeffrey Gordon, da Washington University, em St. Louis, Estados Unidos, uma das principais referências mundiais em bactérias intestinais e sua relação com nossas fisiologias. Em um dos diversos estudos associando microbiota intestinal e obesidade, Dr. Jeffrey dividiu ratos de laboratório livres de microrganismos, com peso normal, em dois grupos. O primeiro recebeu bactérias de uma pessoa obesa e o segundo bactérias de uma pessoa magra. Os ratinhos do primeiro grupo engordaram e os ratinhos do segundo grupo emagreceram, comprovando a relação entre bactérias e obesidade.
Segundo o pós-doutor em microbiologia, não há nada que se possa tomar que modifique de uma hora para a outra o perfil intestinal, que leva tempo para ser formando e está relacionado a uma série de condições, inclusive com a alimentação. Neste ponto específico, conforme Silveira, deve-se evitar alimentos pobres em nutrientes, que interferem na construção da camada protetora do intestino que defende o organismo das infecções. No sentido de povoar o órgão com as bactérias boas e protetoras, o consumo de probióticos e prebióticos é fundamental.
Probióticos são as bactérias vivas e podem ser encontradas na bebida fermentada kombucha e no grão de kefir, mas também em alimentos como iogurtes fermentados, alguns tipos de pães e queijos, chucrutes e picles. Já os prebióticos são os alimentos para as bactérias boas. “São fibras vegetais insolúveis que nossas células intestinais não vão conseguir digerir, e que acabam servindo de alimentos as bactérias boas”, explica. Alho, aspargo, cebola, grão de bico, lentilha e frutas são alguns alimentos ricos em prebióticos. A alimentação com alimentos naturais deve ser feita constantemente, a fim de tornar a microbota saudável.
Silveira faz um importante alerta também de como a obesidade está relacionada ao uso indiscriminado de antibióticos, que atuam no organismo eliminando não apenas as bactérias patológicas como as benéficas para a saúde humana. Obesidade é um processo inflamatório crônico, que pode ser evitado pelas bactérias intestinais. Elas produzem substâncias que atuam na barreira mecânica contra a ação de outros microrganismos que podem causar doenças ao corpo. Nesse sentido, quando a pessoa abusa de medicamentos como antibióticos ela pode perder os seus agentes de proteção, ficando com o corpo mais vulnerável.
Para sustentar a associação entre antibióticos e obesidade, o pós-doutor em microbiologia cita estudo realizado por pesquisadores brasileiros da Universidade de Sorocaba em que foram relacionados dados americanos do consumo de antibióticos e obesidade, em todos os estados americanos. Os cientistas descobriram uma relação linear entre os dois fatores, ou seja, em lugares com maior consumo de antibióticos a taxa de obesidade também é elevada.
O pós-doutor em microbiologia afirma que não se trata de diminuir a dos antibióticos associando-os a obesidade. Conforme Silveira, algumas infecções são debeladas apenas com o uso deste medicamento. O que deve ser criticado, porém, segundo ele, é o uso indiscriminado, por exemplo, para doenças que não se sabe se são causadas por vírus ou bactérias, como inflamação nas amígdalas. “Antibióticos são substâncias de ação sistêmica e matam, além das bactérias que estão causando a doença, aquelas que nos ajudam a ter saúde”, esclarece.
Bactérias do bem
A despeito do senso comum, que enxerga nas bactérias apenas um agente causador de doenças, Silveira explica em seu livro o poder desses seres microscópicos – que existem em trilhões no organismo humano – no fortalecimento do sistema imune, e na produção de hormônios que evitam doenças físicas e mentais, promovendo saúde, bem-estar e felicidade. Nesse sentido, o pós-doutor em microbiologia ressalta a importância da alimentação rica em nutrientes a fim de fazer florescer as bactérias boas em nosso intestino.
Traçando o panorama de uma sociedade cada vez mais doente, (sofrendo de obesidade, diabetes, câncer, depressão, ansiedade) embora com cada vez mais acesso a tecnologias que promovem o tratamento e a cura de enfermidades, Silveira exorta cada indivíduo a se tornar responsável por si mesmo. Para o autor, a mudança do estilo de vida é mais eficaz na promoção de saúde sustentável do que os medicamentos, como antibióticos, por exemplo, que receitados e utilizados em desmesura, muitas vezes sem indicação médica adequada, acabam sendo parte do problema ao propiciarem o florescimento de bactérias patológicas e a destruição das bactérias benéficas ao intestino.
No fim do primeiro capítulo, um recado claro de Silveira ao leitor do que pretende com o livro. “Faremos você tomar consciência da relação entre causa e efeito na sua saúde e de que medidas simples podem fazer com que sua vida seja plena. Que você possa entender seu organismo e conhecer as suas maiores aliadas, que vivem dentro de você”, diz. Estes aliados são as bactérias, um exército delas, vivendo dentro do intestino. “A solução não está apenas no remédio, está dentro de você. São 30 trilhões de bactérias, de espécies diferentes, prontinhas para entrar em ação. É só dar alimento que elas defenderão seu organismo de doenças”, diz Silveira no livro.
Função e preservação das bactérias intestinais
Um dos objetivos do livro escrito por Silveira é mostrar como as bactérias conseguem proteger os seres humanos de doenças e como é possível preservá-las e cultivá-las. Na obra, o autor explica que isso ocorre no intestino, que é a principal fonte de contato com o microrganismo indesejado (que chega através da alimentação). As bactérias presentes no órgão formam uma camada protetora. As toxinas e agentes patológicos ficam grudados nessa barreira física, impossibilitados de infectarem a célula e causarem doença.
Para evitar a disbiose (desequilíbrio intestinal) e assim evitar o aparecimento de doenças, alguns fatores devem ser levados em conta, tais como tipo de parto, amamentação, uso de antibióticos e alimentação. Estes fatores são abordados em diversos capítulos do livro.
Destacando a importância do parto normal, Silveira explica que se trata do momento em que recém-nascido é colonizado pelas bactérias da mãe por meio do contato de sua pele com o a mucosa vaginal da mãe. “Esse contato é fundamental para a imunidade inata do momento do nascimento”, explica. Já a amamentação transmite anticorpos e bactérias, preparando o ambiente intestino para receber alimentos.
A ligação entre o cérebro e o intestino também é sublinhada pelo pós-doutor em microbiologia em seu livro, mostrando a importância das bactérias para o bem-estar. Silveira explica que a serotonina, o chamado hormônio da felicidade, é produzido por bactérias intestinais por meio de alimentos que contêm o aminoácido triptofano. “Não é difícil achar triptofano. Ele está no ovo, nas castanhas, nas leguminosas, na semente de abóbora, na linhaça, na aveia, no chocolate amargo, no tofu. E com uma compra no supermercado você garante um estoque para o seu corpo”, diz.
Na parte final do livro, Silveira volta a destacar a responsabilidade de cada um por sua própria saúde. “As pessoas atualmente não querem promover saúde, querem a cura paliativa dos problemas e estão ficando cada vez mais doentes. Isso está relacionado com a piora da qualidade de vida”, afirma. Por fim, enfatiza que saúde não é apenas a ausência de doença, mas viver com plenitude física, mental, social e espiritual. “E a saúde desejada está na palma da nossa mão, na nossa boca e em nosso intestino, processada por nossas bactérias intestinais. Cabe somente a você despertar esse poder interior”, conclui.
Sobre Dr. Alessandro Silveira
Graduado em Farmácia-Bioquímica pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Ciência Médicas pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e pós-doutor em Análises Clínicas, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Atualmente é professor titular de Microbiologia Clínica para os cursos de Medicina,
Farmácia e Biomedicina da Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB), em Santa Catarina. Desempenha, ainda pela FURB, as funções de consultor técnico de Microbiologia Clínica e Bacteriologia Clínica e coordenador do curso de Especialização em Bacteriologia Clínica. Atua também como coordenador de Microbiologia Clínica da Sociedade Brasileira de Microbiologia (SBM), gestor da Microbiologia do Ghanem Laboratório de Joinville e consultor de Microbiologia Clínica e Molecular na Dasa. Suas linhas de pesquisa incluem a análise metagemônica do microbioma intestinal e a detecção da diminuição da susceptibilidade de Staphylococcus aureus à vancomicina.na Dasa.